Cristiano Imhof

CÓDIGO CIVIL INTERPRETADO

Cristiano Imhof tooltip

Precisa de ajuda?

Ligue +55 47 3361-6454

contato@booklaw.com.br

Jurisreferência™

TJMG. Contrato de seguro e princípio da boa-fé objetiva. Indenização securitária. Atraso no pagamento da parcela. Inadimplemento mínimo. Indenização devida. Pelo princípio da boa-fé objetiva, quando o inadimplemento do contrato é mínimo, o pacto deve produzir efeitos. Considerando que o pagamento do prêmio ocorreu 02 (dois) dias após o falecimento do segurado, sendo que o inadimplemento foi mínimo, é devida a indenização securitária.

Data: 11/05/2009 Acórdão: Apelação Cível n. 1.0035.04.033613-9/001, de Araguari.
Relator: Des. Tibúrcio Marques.
Data da decisão: 26.03.2009.

Número do processo: 1.0035.04.033613-9/001(1)
Relator: TIBÚRCIO MARQUES
Relator do Acordão: TIBÚRCIO MARQUES
Data do Julgamento: 26/03/2009
Data da Publicação: 17/04/2009

EMENTA: INDENIZAÇÃO SECURITÁRIA - ATRASO NO PAGAMENTO DA PARCELA - PRINCÍPIO DA BOA FÉ OBJETIVA - INADIMPLEMENTO MÍNIMO - INDENIZAÇÃO DEVIDA. Pelo princípio da boa-fé objetiva, quando o inadimplemento do contrato é mínimo, o pacto deve produzir efeitos. Considerando que o pagamento do prêmio ocorreu 02 (dois) dias após o falecimento do segurado, sendo que o inadimplemento foi mínimo, é devida a indenização securitária.

APELAÇÃO CÍVEL N° 1.0035.04.033613-9/001 - COMARCA DE ARAGUARI - APELANTE(S): BRADESCO VIDA PREVIDENCIA S/A - APELADO(A)(S): MARLISI BARBOSA MELO LUZ E OUTRO(A)(S) - RELATOR: EXMO. SR. DES. TIBÚRCIO MARQUES

ACÓRDÃO
Vistos etc., acorda, em Turma, a 15ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, EM NEGAR PROVIMENTO.

Belo Horizonte, 26 de março de 2009.

DES. TIBÚRCIO MARQUES - Relator
NOTAS TAQUIGRÁFICAS

Produziu sustentação oral, pelos apelados, a Drª. Flavianne Lopes Sales de Carvalho.

O SR. DES. TIBÚRCIO MARQUES:
VOTO
Cuida-se de Recurso de Apelação interposto por Bradesco Vida e Previdência S/A, nos autos da "Ação Ordinária de Cobrança", ajuizada por Marlisi Barbosa Melo Luz, Manoel Vitor Melo Luz e João Paulo Melo Luz, tendo em vista o seu inconformismo com os termos da sentença de fls. 82/85, que julgou procedente o pedido inicial.
Embargos de declaração interposto à fl. 87/88 e acolhidos à fl. 89 para que fosse sanado o erro material.
Sustenta que o Sr. Flávio Ramalho Luiz contratou um plano denominado "Multiplano" em 18.09.2002.
Afirma que o atraso no pagamento das parcelas acarretaria a suspensão do pagamento do pecúlio.
Alega que a parcela referente ao mês de janeiro de 2003 não foi paga na data aprazada, uma vez que não havia fundos na conta corrente do contratante.
Aduz que quando do falecimento do segurado (dia 15.02.2003) a parcela de janeiro de 2003 ainda não estava paga e consequentemente o pagamento do pecúlio estava suspenso.
Afirma ainda que foi efetuado o débito da parcela de janeiro de 2003 e das demais parcelas na conta corrente do de cujus, uma vez que a apelante desconhecia o falecimento do Sr. Flávio.
Alega que quando teve ciência do falecimento do segurado, as parcelas descontadas foram restituídas.
Cita o regulamento do plano, no qual afirma que o atraso no pagamento acarreta a suspensão do pagamento da indenização e não a extinção do contrato.
Aduz que a extinção do contrato ocorreria após um atraso superior a 90 (noventa) dias.
Alega ainda que a parcela de janeiro de 2003 somente foi paga após a morte do segurado.
Afirma que devem ser aplicadas as cláusulas do contrato e que estas não são abusivas. Cita os arts. 760 e 763 do código civil, o Decreto Lei 73/1966 e a Lei Complementar 109/2001.
Sustenta que a purgação da mora não tem efeito ex tunc e que nos termos do art. 476 do código civil, o pedido dos apelados não procedem.
Requer que seja dado provimento ao recurso para que seja julgado improcedente o pedido inicial.
Preparo realizado à fl. 105.
Os apelados apresentaram contrarrazões às fls. 108/114.
Afirmam que o contrato estava em vigência quando o segurado faleceu.
Citam várias decisões e alegam que o apelante recebeu as parcelas sem fazer qualquer ressalva.
Sustentam que não foram restituídas as parcelas. Pedem que seja negado provimento ao recurso.
Parecer da Procuradoria de Justiça às fl. 122/126.
É o breve relatório.
Conhece-se do recurso, porquanto presentes os pressupostos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade.
Trata-se de pedido de cobrança de indenização securitária.
Conforme documento de fl. 49, o Sr. Flávio Ramalho Luiz celebrou, em 18.09.2002, um contrato de pecúlio com regaste.
Pelo referido contrato, ocorrendo a morte do segurado, os beneficiários fariam jus a uma indenização.
Entretanto, para que os beneficiários gozassem da referida indenização, o segurado deveria efetuar o pagamento de uma contribuição no dia 20 de cada mês.
Conforme documento de fl. 06 o segurado faleceu em 15 de fevereiro de 2003.
Todavia, a parcela que venceu em 20.01.2003 somente foi paga em 17.02.2003, conforme fl. 19.
Os apelantes sustentam que quando ocorreu o sinistro (dia 15 de fevereiro de 2003) o segurado estava em mora e consequentemente a cobertura securitária estava suspensa. Citam a cláusula 4 do contrato, os arts. 760 e 763 do código civil, o Decreto Lei 73/1966 e a Lei Complementar 109/2001.
Com o advento do novo código civil, os contratos vigentes, que até então foram celebrados com fundamento no princípio da autonomia da vontade, deveriam sofrer uma releitura e serem reinterpretados sob a ótica da autonomia privada, nos termos do art. 2.035, parágrafo único do código civil.
Pela autonomia privada os contratantes podem manifestar suas vontades. Todavia a vontade da parte deve sofrer uma limitação às normas estatais cogentes, a fim que seja evitada a desigualdade, a insegurança e principalmente seja respeitado o princípio da dignidade da pessoa humana.
Tem-se, portanto, que o pacto não é uma verdade imutável. A vontade manifestada através do contrato, para ser legítima, deve respeitar os princípios norteadores previstos no código civil e na Constituição da República.
Neste contexto surge o princípio da boa-fé objetiva. Pelo princípio da boa-fé objetiva, os contratos devem atender a função interpretativa, a função de controle e a função integrativa.
In casu, faz-se necessário perquirir sobre a função de controle.
Pela função de controle, os contratantes não podem exercer seus direitos de forma excessiva, já que não pode haver prestações excessivamente desproporcionais.
Entre as espécies de abuso do direito está o inadimplemento mínimo.
Pelo inadimplemento mínimo, apesar do contratante estar em mora, o contrato não pode deixar de ser cumprido, uma vez que o inadimplemento foi ínfimo.
Neste contexto o Enunciado 361 do CJF, assim dispõe:
"O adimplemento substancial decorre dos princípios gerais contratuais, de modo a fazer preponderar à função social do contrato e o princípio da boa-fé objetiva, balizando a aplicação do art. 475."
No caso em tela, a prestação referente ao mês de janeiro de 2008, venceu em 20.01.2003, conforme fl. 19.
Conforme documentos de fls. 12/15 a morte do segurado ocorreu em virtude de um acidente (afogamento), no qual foi declarada a morte do Sr. Flávio Ramalho Luz através de uma ação judicial, uma vez que não foi encontrado o corpo do mesmo.
Tem-se que o falecimento do segurado era algo incerto, já que o corpo do mesmo desapareceu.
Em 17.02.2008, como até então não havia a certeza de que o segurado tinha falecido, a prestação referente a janeiro de 2003 foi paga, através do débito na conta corrente do de cujus.
Todavia, após o processo de justificação, foi fixado que a morte do segurado ocorreu em 15.01.2003, conformes fls. 13/14.
Considerando o referido contexto, pode ser apurado que a prestação referente a janeiro de 2008 foi paga 02 (dois) dias após o falecimento do segurado.
Todavia, o pagamento efetuado após 02 (dois) dias do falecimento do segurado, com fundamento no princípio da boa-fé objetiva, não pode gerar a ausência ao direito à indenização, uma vez que o inadimplemento foi mínimo.
Mesmo que fosse considerado que o segurado estava inadimplente desde o dia 20.01.2003, com fundamento na função de controle dos contratos, não se pode deixar de pagar a indenização, já que o atraso de alguns dias (do dia 20.01.2003 à 17.02.2003) na prestação é ínfimo.
O atraso de alguns dias não é hábil a gerar a ineficácia do contrato, já que pelo princípio da preservação dos contratos, os contratos são celebrados para atingirem a sua finalidade, principalmente considerando que o segurado estava adimplente desde 2002.
É desproporcional, desconsiderar que o contrato estava sendo cumprido desde 2002 e fazer com que o mesmo não gere efeitos (seja paga a indenização), devido a um atraso de poucos dias. Seria desconsiderar o princípio da proporcionalidade e da dignidade da pessoa humana, em prol de um legalismo extremado.
Não se trata de dar efeitos ex tunc ao pagamento, mas de respeitar a boa-fé objetiva, principalmente que o apelante recebeu o valor das prestações.
Realmente o apelante não recebeu os valores de má-fé, uma vez que a morte era desconhecida.
Entretanto, o inadimplemento é mínimo. A suspensão do contrato geraria uma excessiva desproporção, motivo pelo qual não pode gerar a ausência do direito a indenização.
É válido registrar que o apelante não provou que restituiu o valor recebido, ônus este que lhe caberia nos termos do art. 333, II, do CPC.
Quanto às alegações acerca da previsão contratual e na legislação vigente de que o valor da indenização estaria suspenso, em virtude da mora, como dito alhures, tanto o contrato quanto a lei não pode ser um instrumento de injustiça, de modo a gerar de prestações excessivamente desproporcionais.
O contrato e a lei não é um fim em si mesmo. Devem atender a função social e a boa-fé objetiva.
Não se trata de negar vigência à lei, mas apenas de harmonizar a lei aos princípios norteadores, princípios como a boa-fé objetiva e a função social do contrato.
Como o inadimplemento da prestação referente a janeiro de 2003 é mínimo, tendo em vista que o valor pago 02 (dois) dias após o falecimento do segurado, com fundamento na boa-fé objetiva e a função social do contrato, a sentença deve ser mantida.
Com tais considerações, NEGO PROVIMENTO AO RECURSO, para manter a sentença proferida.
Custas recursais pelo apelante.
Para os fins do art. 506, III, do CPC, a síntese do presente julgamento é: RECURSO NÃO PROVIDO para manter a sentença proferida.

O SR. DES. ANTÔNIO BISPO:
VOTO
Bradesco Vida e Previdência S/A apela da decisão que julgou procedente o pedido na ação de indenização proposta pelos Apelados; decisão esta que o condenou ao pagamento de indenização securitária no importe de R$ 39.720,00 (trinta e nove mil setecentos e vinte reais).
O eminente Relator negou provimento ao recurso, mantendo a decisão de primeiro grau, por entender que o atraso mínimo no adimplemento das parcelas não é hábil a gerar a ineficácia do contrato, já que pelo princípio da preservação dos contratos, eles são celebrados para atingirem a sua finalidade.
Além disso, considerou-se que o pagamento da parcela do mês de janeiro fora paga dois dias após o falecimento do segurado, pelo que diante do princípio da boa-fé objetiva não pode gerar a ausência ao direito de indenização.
Ao respeitável entendimento proferido pelo Douto Relator, gostaria de acrescer a seguinte fundamentação. Vejamos:
O Código de Defesa do Consumidor perfeitamente aplicável ao presente caso, vez que contrato de seguro cuida-se da espécie de adesão, discorre no artigo 51 em rol não exaustivo, sobre as cláusulas abusivas.
Dentre elas, gostaria de destacar as previstas nos incisos IV e XI que assim dispõem:
"Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:
IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade;
(...)
XI - autorizem o fornecedor a cancelar o contrato unilateralmente, sem que igual direito seja conferido ao consumidor;
(...)
§ 1° Presume-se exagerada, entre outros casos, a vantagem que: I - ofende os princípios fundamentais do sistema jurídico a que pertence; II - restringe direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza do contrato, de tal modo a ameaçar seu objeto ou o equilíbrio contratual; III - se mostra excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e conteúdo do contrato, de tal modo a ameaçar seu objeto ou equilíbrio contratual".
Da interpretação da norma supra transcrita se extrai que é plenamente abusiva a suspensão do contrato de seguro diante do atraso no pagamento de uma parcela mensal, sendo que a demora de referido pagamento não havia atingido nem mesmo os 90 (noventa) dias permissivos pelo regulamento de fls. 48.
Da análise dos elementos fáticos carreados aos autos temos que fora fixada como data provável do obtido do segurado 15/02/2003. Pela planilha de fls. 19, verifica-se que a parcela referente ao mês de janeiro de 2003 fora paga em 17 de fevereiro de 2003, sendo ainda adimplidos os meses de fevereiro e março.
Ora, nesse sentido não há embasamento jurídico, sequer plausível ao não pagamento da indenização, posto que houve a continuidade dos pagamentos, presumindo-se a aceitação da seguradora à continuidade do contrato.
Além disso o cancelamento unilateral do contrato, está a confrontar com o princípio da equidade que circunda a presente relação contratual, colocando o segurado e sua família em nítida posição de desvantagem em relação à seguradora. Assente está a jurisprudência de que "o contrato de seguro, típico de adesão, deve ser interpretado, em caso de dúvida, no interesse do segurado e dos beneficiários". (RT 603/94-16ª CC do TJSP).
É de se ressaltar que:
"(...) ao visualizar, sob a influência do princípio da boa-fé objetiva, a obrigação como uma totalidade de deveres e direitos no tempo e ao definir também como abuso a unilateralidade excessiva ou o desequilíbrio irrazoável da engenharia contratual, valoriza-se, por conseqüência, o equilíbrio intrínseco da relação em sua totalidade e redefini-se o que é razoável em matéria de concessões do contratante mais fraco." (MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. 5ª Ed. 2005. Pág. 290).
Não bastasse, verifica-se ademais que o Dec. Lei 73/66 que trata sobre o sistema nacional de seguros e regula as respectivas operações, praticamente proíbe no art. 13 a rescisão unilateral de contratos dessa modalidade. Veja-se:
"Art. 13. As apólices não poderão conter cláusula que permita rescisão unilateral dos contratos de seguro ou por qualquer modo subtraia sua eficácia e validade além das situações previstas em Lei".
Resta advertir que é entendimento já pacificado no Superior Tribunal de Justiça que o simples atraso da prestação mensal ou o seu não-pagamento, sem a prévia notificação do segurado, não enseja suspensão ou cancelamento automático do contrato de seguro. Veja-se:
"SEGURO. Inadimplemento da segurada. Falta de pagamento da última prestação. Adimplemento substancial. Resolução. A companhia seguradora não pode dar por extinto o contrato de seguro, por falta de pagamento da última prestação do prêmio, por três razões: a) sempre recebeu as prestações com atraso, o que estava, aliás, previsto no contrato, sendo inadmissível que apenas rejeite a prestação quando ocorra o sinistro; b) a segurada cumpriu substancialmente com a sua obrigação, não sendo a sua falta suficiente para extinguir o contrato; c) a resolução do contrato deve ser requerida em juízo, quando será possível avaliar a importância do inadimplemento, suficiente para a extinção do negócio. Recurso conhecido e provido." (unânime, DJU de 01.04.1996 - Resp. 76362/MT - Min. Ruy Rosado de Aguiar. Referência no Resp. 323186-SP - Min. Barros Monteiro).
Diante do exposto, NEGO PROVIMENTO À APELAÇÃO mantendo a decisão do Juízo Primevo.
Custas pelo Recorrente.

O SR. DES. JOSÉ AFFONSO DA COSTA CÔRTES:
VOTO
No caso, tem-se que o atraso no pagamento de prestação do prêmio do seguro não gera o cancelamento automático do contrato, exigindo, ao menos, a prévia constituição em mora do segurado mediante interpolação.
Ademais, no presente caso, há cláusula que estabelece o prazo de 90 dias para que haja a referida exclusão (f. 48 - cf. cláusula 5), o que, conforme entendimento acima exposto, não exclui a obrigação da seguradora de interpolar o segurado acerca da mora.
E, verifica-se que a parcela do mês de janeiro, com vencimento no dia 20 (fl. 19) fora paga no dia 17/02/2003, bem como foram adimplidos os meses de fevereiro e março de 2003, e em que pese a morte ter ocorrido em 15.01.2003.
Assim, considerando que fora sanada a inadimplência, bem como, não houve interpelação acerca do alegado cancelamento do seguro, deve ser mantido o contrato, devendo a apelante adimplir com sua obrigação de pagamento da indenização securitária, nos termos da cobertura contratada.
Feitas estas considerações, RECURSO NÃO PROVIDO.

SÚMULA : NEGARAM PROVIMENTO.

Imprimir
Ir ao topo

Aplicativos Móveis

Adquira uma assinatura de acesso digital e tenha acesso aos aplicativos para tablets e smartphones, com conteúdo completo.

CONHEÇA TAMBÉM



Todos os direitos reservados. Proibida a cópia total ou parcial deste conteúdo.